quinta-feira, 18 de março de 2010

Resenha dialógica - "Afinal, qual é a das UPPs?" - Por um Rio de Janeiro muito além da Guerra e da Paz.


Em seu artigo “Afinal, qual é a das UPPs?”, o professor Luiz Antônio Machado alerta que é necessária uma abordagem crítica e sociológica às novas questões trazidas pelas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) aos problemas da segurança pública e da cidadania no Rio de Janeiro. Aqui abordarei, de modo breve, o que considero os principais pontos do texto.

1-Para Machado há um otimismo excessivo da grande mídia e dos formadores de opinião, em sua maioria compostos por moradores da zona sul carioca. Ambos esperam que as UPPs promovam o combate ao tráfico “sem violência”, pacificando a cidade e os setores populares, os “favelados”, que são marginalizados pela moral dominante – que ,completando este "circuito" discursivo, é sustentada pelos mesmos atores sociais citados, a mídia e os formadores de opinião.

As UPPs podem ser frustradas no que tem de bom devido ao excesso de expectativa presente no discurso “oficialista”, da moral dos dominantes. Não é por acaso que a maioria das UPPs se encontram na zona sul. O autor alerta que não é possível uma cidade completamente pacificada, mas sim a diminuição da violência, através da repressão do poder armado do tráfico e de uma concepção mais cidadã de polícia militar.

2- O discurso dominante promove uma reificação da ordem lógica de construção da cidadania. Primeiro viriam os direitos civis, só depois destes consolidados através da "pacificação", os direitos sociais.


As UPPs fazem parte de uma política mais ampla de “Guerra ao Tráfico”, apregoadas tanto pelo governador Sérgio Cabral quanto pela mídia dominante, em especial o jornal O GLOBO. Nesta concepção é preciso primeiro pacificar para depois ocorrerem os investimentos sociais. Machado denuncia que devido à estigmatização das favelas como uma área violenta, todo ato de violência poderá ser usado como um modo de justificar mais repressão policial e menos investimento social. Legitimando a ação opressora do Estado em detrimento da construção da cidadania. As reivindicações sociais dos moradores acabam sendo desqualificadas como “subterfúgios” de quem promove um oculto apoio ou, pelo menos, é conivente com o tráfico. Como se a violência não tivesse raízes sociais mais profundas e que todos os que moram nas favelas fossem os responsáveis pelos perigos que assolam o “asfalto” do Rio de Janeiro.

3- Este estigma criado pela moral dominante generalizando a ligação dos moradores de favelas ao comportamento violento e ao crime, além de legitimar a violência policial promove uma supervalorização, de fato, da ação das UPPs. O que é somente um primeiro passo, a diminuição da violência policial nas comunidades e o positivo aumento da sensação de segurança dos moradores (e não apenas os das comunidades) tem sido visto como um fim em si. Deste modo o processo de democratização e ampliação da cidadania vivenciado nas comunidades ocupadas pode ser limitado. Enquanto as Associação de Moradores passam por um processo de esvaziamento, em parte devido sua constante associação (mais uma vez, simbólica e midiática) ao tráfico de drogas, as UPPs passam a ser convocadas para resolver problemas cotidianos dos moradores nas favelas. Segundo Machado é aí que mora o maior risco das UPPs, “que deve ser refletido, questionado e evitado: o de “policializar” a atividade político-administrativas nos territórios de pobreza. Transformar o braço da repressão ao crime em organização política é tudo que o processo de democratização não precisa”.

4-Por fim, o autor propõe que se evite a radicalização, presente no discurso dominante e que pode levar as UPPs a serem tratadas como um instrumento de domesticação e infantilização dos moradores das áreas pobres da cidade. “Guerra e Paz” são conceitos binários muito simplificadores da realidade social. É fundamental lembrar que “não estamos lidando apenas com os fatos relacionados ao crime, mas também com sua percepção coletiva e os sentimentos que ela provoca”. Por isso é preciso “apostar em pequenas mudanças cotidianas que nos afastem da exceção e desfaçam margens”, valorizando as reivindicações dos moradores de favelas, recolocando-os em seu espaço legítimo de diálogo na esfera pública, longe de muros ou estigmas sociais, que só servem para perpetuar o cotidiano da “cultura do medo”, que também é a “cultura da repressão”. Nesta proposta a construção dos direitos civis referentes à segurança pública deve ser acompanhada pela busca de efetivação político-administrativa das livres reivindicações populares por direitos sociais e políticos.
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Termino parafraseando uma frase do escritor paulista Férrez, na qual proponho que reflitamos livres de preconceitos: “Ninguém é inocente no Rio de Janeiro”.

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