sábado, 20 de março de 2010

Solidariedade e Razão Pública - os equívocos da Emenda Ibsen




Sou carioca, mas acho que conseguirei ser relativamente imparcial no tema que vou abordar.

A proporção das verbas que o Rio recebe hoje é muito alta (75% dos royalties descentralizados) e pode, gradativamente, ser reduzida. Se o dinheiro dos royalties for cortado sem planejamento levará o estado e vários municípios do Rio, inclusive a capital, à falência, paralisando diversos projetos sociais e investimentos públicos. O Rio precisa se re-industrializar, tornar sua economia mais dinâmica - como está fazendo o Espírito Santo -,hoje somos muito dependentes do petróleo.

Porém, é justo que o Rio receba royalties maiores do que outros estados, pois os riscos ecológicos, os impactos e os custos sociais da produção do petróleo estão situados em territórios fluminenses. Mas a parcela arrecadada pelo governo federal deve aumentar em relação ao valor atual, desde que se reconsidere a questão do ICMS.

Concordo com Edson Augusto, "o ICMS referente ao petróleo deve, como qualquer mercadoria, ser recolhido no estado produtor" e não no local de consumo. Esta exceção foi proposta, ironicamente, por José Serra, durante a Constituinte de 1988, com o claro objetivo de beneficiar São Paulo, estado que mais consome derivados de petróleo no país, e é hoje governado pelo mesmo Serra. Os constituintes do Rio a aceitaram crendo que os royalties ficariam em nosso estado, como modo de compensar a perda de arrecadação do ICMS e os riscos ecológicos e sociais.

Então, se Sérgio Cabral está sendo oportunista quando arquiteta um movimento sensacionalista afirmando que o "O Rio está sendo roubado", o oportunismo não é privilégio dos políticos cariocas.

O cinismo e o individualismo financeiros, típicos do neoliberalismo, não podem prejudicar a solidariedade necessária ao pacto federativo. A proposta da Emenda Ibsen é um exemplo desta urgência do Capital, retirando do Estado sua necessária função pública de construtor da solidariedade e do bem-estar social. Nela se prioriza os interesses particulares de cada estado e desconsidera-se o planejamento inerente à construção da solidariedade política.

Por fim, lembremos, tão importante quanto a divisão justa das verbas é que se construa um projeto de transparência dos gastos do dinheiro proveniente do petróleo e que este seja aplicado maciçamente em políticas de desenvolvimento social e econômico. Esta ampla transparência seria, também, um sinal de evolução política e de construção da solidariedade constitutiva da razão pública.

Para entender mais sobre a divisão dos royalties:

http://ultimosegundo.ig.com.br/economia/2010/03/12/a+quem+pertencem+os+royalties+afinal+9425725.html

http://ultimosegundo.ig.com.br/bbc/2010/03/18/entenda+a+polemica+sobre+a+distribuicao+dos+royalties+do+petroleo+9432003.html
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Um debate sobre este tema entre os leitores da Carta Maior:
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Bom texto, fazendo críticas e propondo alternativas à emenda Ibsen, no "Na Prática a Teoria é Outra":

2 comentários:

Pedro Cazes disse...

Grande Alex, como anunciei, vou me permitir aqui descordar de suas opiniões, afinal, é isso que interessa não é? Então, sempre que chegamos numa dessas discussões bem concretas de nossa conjuntura, e ainda mais essa que não foi colocada pela luta de classes proletária (que é pra falar com as palavras bonitas...), acho que corremos umsério perigo de ao ceder num ponto, deixar o terreno inteiro pro inimigo. Me refiro aqui ao fato de você aceitar as regras do debate político (é, esse mesmo da "arena pública") atual, sem colocar em questão a relação entre os, talvez discordantes, interesses (não da "população" do Rio de Janeiro) das classes e fraçoes de classe dominantes e o Estado. Acho que seria importante não tomar o "concreto" de forma tão imediata pq o velho barbudo já ensinava que as coisas mais importantes não estão à mostra aí. Tínhamos que pensar qual é a relação entre os estados da federação e as classes e além disso, como os próprios estados possuem interesses econômicos próprios e etc. Não sei responder a questão dos royaltes do petróleo ainda mais quando sabemos que esse dinheiro nem vai pra nossas reivindicações (apesar de sermos nós que sofreremos com o corte). Mas acho que aceitar como meta a idéia de uma "re-industrialização", a busca por uma "eonomia mais dinâmica e criativa" e zelar pela "transparência" na ordem pública já é passar para o lado negro da força (o K). Abraços calorosos!

Alexander Englander disse...

Grande Pedro,
cara, acho que questão que você colocou - de pensar as relações entre as classes e frações de classe dominante nos diferentes estados da federação -, é muito pertinente. Mas, para a questão que coloquei, ela não exige uma ampla pesquisa, pois refere-se à uma lógica geral das classes dominantes do Estado brasileiro contemporâneo.

Me refiro à cultura política ligada à urgência do Capital, chamada comumente pelo discurso hegemônico na esfera pública de "pragmatismo".

Ela coloca a urgência econômica acima do pacto federativo. Seja onde for, os royalties são facilmente reconvertidos em capital político e legitimação da autoridade. Principalmente quando em grande volume, como é o caso do Rio. Acredito que os deputados federais que votaram a favor da Emenda Ibsen pensaram deste modo, colocando em segundo plano a crise social e econômica que tal medida causaria ao Rio de Janeiro, e não apenas aos seus políticos.

Considero pertinente o debate público sobre uma distribuição mais justa dos royalties do petróleo e do ICMS. Mas feita de modo republicano e planejado. Concordo com você quando afirma que não devemos aceitar o debate na esfera pública nos termos hegemônicos no qual ele é posto, porque, em geral, representam uma perspectiva das elites.

Por isso defendo a centralidade da importância de um controle público sobre os gastos das verbas provenientes do petróleo. Isso possibilitaria a politização da questão e a defesa popular de seu uso para fins públicos, como saúde, educação, infra-estrutura e auxílio à economia. Seria um modo de impedir, ou ao menos diminuir, o uso de dinheiro público para fins privados dos políticos (e sua classe ou fração de classe próxima ao poder), seja para ganho fácil de capital político ou para o simples enriquecimento individual.

E cara, a economia do Rio precisa se dinamizar e encarar os desafios da terceira revolução industrial, na qual ainda não entramos a pleno vapor. E isso não precisa estar ligado ao neoliberalismo. Mas superá-lo nesse processo é um grande desafio.

Grande Abraço!