sábado, 10 de novembro de 2007

A cultura de massas e a estigmatização do Movimento Estudantil


Para ler este texto é fundamental que deixemos claro que a geração de estudantes e militantes brasileiros da década de 60 não foi de todo derrotada. Nem na política nem na cultura. Temos que ter mais visão histórica. Sem esta geração o Brasil não teria pela primeira vez na história um governo de centro com um pezinho na esquerda. E há que se valorizar muito isso, mas não nos resignarmos a essa realidade, queremos mais. A via institucional não excluí as lutas nas ruas, pelo contrário, devem ser pensadas em conjunto na disputa por uma hegemonia dos valores e práticas socialistas, tanto no que se refere às questões imediatas como as de longo prazo.

Pensando nas representações simbólicas criadas pela cultura de massas, organicamente ligada ao processo social contemporâneo, poderemos compreender melhor aspectos da nova política educacional que está sendo implantada no país. A atual novela das oito "Duas Caras" sem dúvida é um marco para a retomada do "nacional-popular", tanto na arte quanto na política brasileiras. Mas o passado só se repete como farsa, e dessa vez o nacional-popular está inserido no contexto da globalização neoliberal. Se por um lado o samba roubado da personagem de Eri Johnson nos faz lembrar Zé Keti em Rio Zona Norte, de Nelson Pereira dos Santos, e os tempos combativos de Cinema Novo, tematizando como a arte popular ainda é explorada, roubada e oprimida pela indústria cultural (que também lucra muito com a incorporação da arte popular aos seus trâmites); por outro lado, o apelido da personagem de Suzana Vieira simboliza muito bem o atual projeto liberal que se apropria de um discurso popular para se legitimar. O termo "Dama de Titâneo" resume um processo social efetivo de repressão aos estudantes das universidades federais e da PUC de São Paulo que lutam contra as reformas do sistema universitário. Estas, como eixo geral, pausterizam cada vez mais a educação, unindo a massificação das universidades com a mercantilização do ensino. O saber será cada vez mais banalizado e voltado para os interesses do mercado. Nossa Margaret Tatcher não é uma primeira ministra, mas a proprietária simbólica de uma instituição de ensino superior, não mais tratado como meio de ilustração emancipatória. A universidade deverá formar cada vez menos consciências críticas, limitando-se a ser um mero meio de produção de consciências instrumentais , técnicos especializados nas ferramentas do sistema, distantes dos meios cognitivos que os permitiriam uma crítica global da sociedade. Em suma, é a vitória momentânea do indivíduo liberal, da guerra de todos contra todos. O lema é estudar para ser competitivo, submisso às regras do mercado de trabalho capitalista.

A dialética do iluminismo está viva em seu curso histórico. Não é como um tufão que quando surge nos faz sentir condenados a sua passagem. Está em disputa, é a luta política que determinará se os ideais emancipatórios da modernidade serão popularizados ou se serão reificados, inseridos de modo acrítico às regras da educação na era da globalização neoliberal, formando homens-massa sujeitos à eternização do presente. Passamos por um momento de fortalecimento da dominação sistêmica, a cultura de massas vem estigmatizando negativamente o movimento estudantil combativo. Em Tropa de Elite os estudantes universitários são representados em geral como maconheiros alienados que financiam o tráfico de drogas. Em Duas Caras (a atual novela das oito) os militantes do movimentos estudantil são especificamente retratados como baderneiros com "ódio no coração", rebeldes sem causa que rasgam livros e quebram computadores em defesa da "universidade do povo". Duas construções simbólicas que partem de um olhar preconceituoso sobre a realidade, colocando-se intencionalmente contra a luta e os valores do movimento estudantil.

Para superar estes esteriótipos a esquerda precisa formular um projeto de educação alternativo à mercantilização do saber com viabilidade prática de aplicação para o presente. A crítica libertária da dialética negativa só poderá se efetivar com a complementação de uma dialética (pro)positiva. A construção de uma imagem digna às intenções públicas do movimento estudantil não pode se dar apenas com base na crítica social e em contra-representações culturais. Ela se dará sobretudo em conjunto com o desenvolvimento de práticas que o permitam concentrar forças para ser novamente um agente de peso na política nacional.

Companheiros, nos fica o desafio de atuar no tempo presente!
***
Segue abaixo a sinopse do referido capítulo de Duas Caras:

3 comentários:

Anônimo disse...

Interessante relato. Justo essa semana comentei com uma professora de universidade particular a respeito do desinteresse dos alunos e a consequente estagnação do conteúdo e da evolução das aulas muito notável em boa parte dessas instituições. Tocamos no assunto da educação como mercadoria, claro, e como os pedagogos estão sendo substituídos por empresários, banalizando completamente o ensino. Ela comentou que foi defendida uma tese, há menos de 1 mês, na UFRJ, mostrando um estudo detalhado a respeito da infantilização dos alunos da rede privada de ensino superior, o que vem a calhar com o nosso diálogo e o seu relato. Uma pena só ter tido informações superficiais a respeito da tese, mas vou procurar saber mais a respeito e compartilho.

Anônimo disse...

Alex,

eu vi uma capítulo da novela, ou melhor, um trecho (eu juro, não vejo novela; estava jantando, tinha gente vendo, acabei tendo este prazer), e acho que foi exatamente este a que você faz referência.
E o que diz aqui é a mais absoluta verdade: a representação dos estudantes é completamente tosca (irreal, sem dúvida) com longos minutos de destruição alucinada de computadores, livros e tudo mais que aparecesse pela frente.
Revoltante (por mais que eu tenha, digamos, certas reservas com relação ao que é o movimento estudantil hoje) e, evidentemente, é impossível acreditar em ingenuidade dos roteristas.

Considerando que não é do meu feitio alongar-me em comentários de blogs (aliás, eu pouco comento) vão aqui duas rápidas observações a respeito do post de baixo:
- Acho que você subestima essa faceta "stalinista centralizadora" do chavismo. Não é muita condescendência encarar isso como um mero desvio?
- A "Veja" faz jornalismo pirotécnico, sabemos exatamente quem ela quer provocar. Não a superestime. Sua oposição não absolve Chávez.

Enfim, é muito pano pra manga. Não quero polemizar. Antes que eu desista, aí vai!

Grande Abraço.

Adolpho Ferreira disse...

E aí antigo companheiro da UFF!

Preocupantes mesmo essas representações de militantes nesta novela, como também a própria representação da universidade pública (e do ensino público como um todo). A articulação entre "Tropa de Elite" e "Duas Caras" é real, existe o esforço dessa mídia na consolidação de valores liberais. Não é por acaso que é chamada de mídia burguesa, né?

Tem um blog de companheiros lá da UFF que fazem um trabalho que talvez te interesse, vê aí:
http://oicult.blogspot.com/

Saudações!