sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Marx pai de família - Socialismo e política de vida

Para obter dados referentes à vida pessoal de Marx recorri principalmente ao texto de Leandro Konder, "Marx e o Amor", presente no livro "Por que Marx" -uma coletânea de textos de intelectuais brasileiros sobre a atualidade de Marx e do marxismo - no contexto da redemocratização - publicada em 1982, em homenagem ao centenário da morte do velho e bom Marx (até o pulha traíra do FHC escreve nele...). O exemplo pessoal da vida de Marx servirá de fonte para o teste de duas hipóteses neste curto texto: 1- é impossível uma politização total da vida, ou seja, uma vida completamente livre de contradições, erros e infelicidades; 2- É possível uma politização parcial da subjetividade que leve aos engajados uma vida mais plena do que a oferecida pela sociedade capitalista. Em um curto artigo intitulado "Marx e o Amor", Leandro Konder descreve a vida pessoal de Marx como tão agitada quanto sua vida pública. De seus seis filhos, dois morreram precocemente, Guido e Francisca. Laura e Eleanor se suicidaram quando adultas. A primogênita ganhou o nome da mãe, Jenny, o grande amor de Marx, fonte de inspiração para cartas apaixonadas. Jenny era filha do Barão Ludwig von Westphalen, importante membro da burocracia prussiana, que a princípio foi contra sua união com Marx, mas por ser um liberal, cedeu. Já Friedrich Demuth, filho de Marx com a criada de Jenny, Helene Demuth, foi assumido por Engels, para limpar a barra do fiel companheiro comunista. Eleanor chegou a descobrir a verdadeira história anos mais tarde. Marx parecia de fato amar Jenny, sua parceira morre em 2 de dezembro de 1881 e o autor de O Capital, arrasado, passa a declinar progressivamente, vindo a falecer 1º de março de 1882.

A história privada da vida de Marx denuncia as tensões existentes entre o engajamento público do militante comunista e o descuido do pai de família. Marx viveu em uma época de pouca socialização da política, nela as vanguardas tinham um papel crucial para a construção do socialismo, que seria construído segundo o modelo blanquista do golpe de estado. Tal projeto exigia completa entrega dos vanguardistas à causa revolucionária. Como contrapartida da superpolitização da vida pública, tinha-se o descaso com a vida privada, o suicídio de duas filhas, um filho renegado e a constante distância de seu amor, Jenny, exigidos pelos compromissos militantes. O fato de ter-se casado com a filha de um aristocrata também evidencia a impossibilidade de politização total da vida privada. Afinal, se fosse seguir sua ideologia pública Marx deveria ter escolhido uma proletária..., mas sua energia amorosa instintivamente deslocou-se para uma “filha da elite” (não custa lembrar que o autor de O Capital veio de uma família pequeno burguesa, tendo gostos de classe oscilantes entre os hábitos da elite e do proletariado).

Hoje vivemos em outros tempos. A luta do proletariado possibilitou uma maior socialização da política, mesmo dentro do capitalismo. A relativa massificação da democracia permite um menor engajamento de militantes socialistas à causa pública de sua ideologia. O golpe de estado blanquista pelo partido revolucionário dá espaço à nova concepção gramsciana de disputa pela hegemonia proletária entre os diversos grupos sociais da plural sociedade civil moderna. Nesta nova realidade surgem as condições de possibilidades para uma maior dedicação à politização da vida privada entre os socialistas - e também fora do âmbito do socialismo - , sendo o feminismo a maior expressão desse movimento. Portanto a concepção atual de política de vida passa a levar em conta tanto os aspectos da esfera pública quanto da esfera privada. Neste curto texto quero enfatizar a importância desta segunda, pois penso que a esquerda vem respondendo ao pragmatismo neoliberal com um pragmatismo economicista, furtando-se de fazer a crítica aos valores da sociedade de consumo. Para tanto recorrerei a seguir ao pensamento de Marx e de alguns marxistas sobre o amor.

No texto citado Konder aborda a breve teoria de Marx sobre o Amor, contida nos Manuscritos de 1844 . O amor seria uma troca recíproca entre humanos que os permitiriam relacionar-se de modo pleno com o mundo, "como homem total". A alienação impediria que as relações humanas de trocas fossem recíprocas, inclusive o amor, sempre fazendo com que o dominante dê menos do que recebe e o alienado receba menos do que dá (podem ser pensadas a partir daí as questões do machismo, da homofobia e da dominação de classe). O "poder alienado da humanidade" "transforma a fidelidade em infidelidade, o amor em ódio, o ódio em amor, a virtude em vício, o vício em virtude". "No lugar de todos os sentidos físicos e intelectuais, aparece a simples alienação de todos esses sentidos, isto é, o sentido do ter ". O capitalismo tornaria o problema mais agudo, pois intensificaria e massificaria a alienação, tornando hegemônica a forma perceptiva do "ter".

Entre os pensadores marxistas que repensarem a questão do amor estão Marcuse e Erich Fromm. O primeiro, em Eros e a Civilização afirma que é impossível que exista amor pleno no capitalismo, nele a verdadeira libertação sexual (e amorosa) é trocada (e vulgarizada) pelo surgimento e expansão da indústria pornográfica.Já Fromm, mesmo considerando todos os entraves do capitalismo, acha que o indivíduo pode transcender as limitações mundanas, aprendendo a Arte de Amar, tão banalizada na sociedade capitalista.A terceira geração da Escola de Frankfurt faz uma crítica do "mercado do sexo e do amor": motéis, fantasias amorosas, orgasmos, hotéis "românticos" são oferecidos no mercado de serviços para todos os gostos de consumidores, fortalecendo o sentido do "ter", criticado por Marx. Em seu escrito "Do ter ao ser", Fromm mostra sua filosofia prática para fugir ao totalitarismo de mercado imposto sobre a subjetividade humana na sociedade capitalista. Há quem acredite que o amor romântico, que transcende o sentido do ter, buscando "algo maior" é uma das últimas frentes da liberdade humana ante a lógica consumista do mercado capitalista.


Enfim, como já diria (e faria) o bom Marx, é preciso viver o que se pensa! Nossa geração, e provavelmente as próximas, vão viver a dialética entre "não ser de ninguém e estar na pista pra negócio" - a lógica amorosa capitalista bem denunciada no aspecto espontâneo do funk - e buscar a plenitude humana em relações afetivas mais profundas, fonte de descobertas e trocas recíprocas entre parceiros - o amor que permite sermos homens e mulheres totais, independente de suas opções sexuais.E como sabidamente é impossível uma politização total da vida, pois "não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência", que não apareçam os puristas do amor, sejam fanáticos religiosos ou mimados pequenos burgueses. O amor contemporâneo nunca será o do ideal romântico, mas sempre algo fluído, instável, chama que precisa de constante renovação, carinho e atenção para que a felicidade seja recíproca e infinita enquanto dure. A reciprocidade mais ou menos simétrica é a conquista do caráter coletivo do casal, superando o individualismo consumista do “mercado do amor e do sexo” da sociedade de consumo.

Esse debate não teve intenção apenas teórica. Quis aqui lançar mão de questões práticas, que possam servir como fonte de reflexão para políticas de vida anti-capitalistas, sem dogmatismos e pretensões moralistas ou totalizantes.Entre nós, socialistas, costuma-se muito pensar que a vida não é fácil, que a luta não é moleza, que a transformação social não será feita com rosas. Concordo com tudo isso. Só acho que ser socialista não é apenas lutar contra as mazelas do capitalismo, mas buscar ser um tipo de ser humano mais completo, livre, solidário e por que não, amoroso. Para tanto é preciso reinventar nosso cotidiano bombardeado por futilidades, lixo mercadológico capitalista. Temos a “humilde” tarefa de reconstruir a felicidade da vida humana, em um estágio do capitalismo marcado pela depressão psíquica. Para não dizerem que eu estou viajando, termino lembrando as sábias palavras do grande Che Guevara: "Nós, socialistas, somos mais livres porque somos mais plenos; somos mais plenos por sermos mais livres. O esqueleto da nossa liberdade completa está formado, falta a substância protéica e a roupagem; criá-los-emos”.

3 comentários:

Carolina Chalfun Mainoth disse...

Vc escreveu justamente sobre reflexões e impasses que se passam na mente de qualquer pessoa que pensa na política e que vive a ânsia de ser protagonista de sua própia vida !
Seu texto está maravilhoso !!! Vou copiá-lo pro meu pc, tá bom ? Mas, se um dia usar algum trecho, pode deixar que terá os créditos !!!

Anônimo disse...

Alexander Englander ! Olá... Meu nome é Taiomara.
Acabo de ler o seu texto e confesso q faz poucos meses que o socialismo e o comunismo vem impregnando o meu ser de total clareza politica... até então vivia uma vida entregue ao espiritual mas na sua verdadeira essencia... entao, algo fez BUM em meu ser com essas duas visões... gostaria de me comunicar com vc pois acabo de encontrar alguem semelhante aos meus pensamentos de hj, dentre varios outros camaradas q possam surgir.. mas vc é o primeiro... podemos discutir coisas e apreder juntos?
Um abraço,
msn: taiomara666@hotmail.com

Analu disse...

Qual era a visão de marx sobre familia na sociedade?